Eu queria sentar nesse banco ao lado do menino que era aos sete anos. Ainda tenho muito a aprender com ele...
Há algum tempo tive uma lesão grave no tornozelo que me deixou cinco meses em casa, grande parte sem poder colocar o pé no chão.
Vivia uma tentativa de retomada da minha vida profissional abalada tempos antes pelo encerramento da minha empresa. Tentava recomeçar como consultor com alguns trabalhos em curso e outros em vista. Mas a vida se impôs de outra forma.
Estava atravessando uma rua e quando fui colocar o pé na calçada tive uma torção besta que rompeu todos os ligamentos. Já havia sofrido uma lesão similar alguns anos antes, menos grave, que me permitiu perceber naquele instante que a situação estava complicada. Dali já entrei num táxi e fui direto ao hospital.
Foi uma fase difícil. Após anos de um caos profissional interminável acreditava estar no início da retomada. Eu ainda me esforçava por planejar cada passo da vida, mas nunca considerei corretamente “a distância do meu pé à calçada”. Todo planejamento tem falhas e alguns se revelam inúteis quando a vida simplesmente decide por outro caminho.
Minha relação com Deus ficou estremecida. Eu não conseguia entender o motivo para aquilo, como se Deus tivesse culpa do mau passo que dei. Tanto nesse quanto nos anteriores que me levaram à falência.
Antes eu já acreditava em Deus, mas em um deus distante, lá no alto do seu trono nos céus. Depois das minhas derrocadas profissionais conheci o Deus próximo e passei a me relacionar com Ele. Compreendi meus erros, fraquezas e pecados e procurava ser uma pessoa melhor a cada dia.
Mesmo assim, aconteceu.
Discuti com Ele muitas vezes. Revoltado, minhas orações eram queixas e questionamentos, daqueles que fazemos sem esperar respostas. Ele, sábio como só Deus pode ser, deixava que as respostas viessem por aquilo que ainda seria, não pelo que já tinha sido.
Foi preciso serenar a alma para que as minhas queixas revoltadas pudessem se transformar novamente em tentativas de conversas amigáveis com Deus. E fiz muitas dessas conversas, também sem respostas.
Fui vivendo um dia após o outro, resignado ao destino inevitável. Não havia o que fazer a não ser aceitar e seguir.
Dia após dia apresentava meu principal questionamento a Deus. Já não perguntava mais os motivos da lesão. Minha questão era “o que fazer agora?”.
Um dia, e Deus sempre sabe o dia certo, recebi a resposta. Uma voz clara em minha mente disse: “Você sempre quis escrever, então senta e escreve.”
UAU!
Uma frase que respondeu não só a esses questionamentos, mas a perguntas que fiz por toda a vida. Uma frase que mudou tudo a partir daí.
Escrever era sonho adolescente. Optei por outros caminhos por que precisava “ganhar a vida”. Segui a escola técnica, emprego, faculdade, novos empregos, empresa. Uma carreira dentro da normalidade para a maioria das pessoas. Uma carreira em que tive tantos sucessos quanto insatisfações. Cada conquista já me direcionava a outras e por isso nada era celebrado. Estava sempre a busca de algo, do próximo objetivo, da meta seguinte, da conquista seguinte.
Vivia em um vácuo emocional, buscando supri-lo com o que o mundo oferece de melhor: o escapismo. Queria escapar do vazio e da dor que ele causava com o consumismo, os prazeres, os anestésicos de corpo e da alma. Trocar de carro, ter outra moto, viajar para o exterior, comer bem, ganhar mais dinheiro, tomar antidepressivos, gastar, gastar, gastar.
O dinheiro que entrava saia e nada bastava para suprir o vazio. Nem o carro novo, muito menos a casa na serra ou a cobertura na cidade. Era preciso mais.
Não caí nas drogas, graças a Deus, mas meu comportamento era de um viciado na “vida normal”. Trabalhava 14 horas por dia e depois ainda em casa, finais de semana eram dias úteis, família relegada a segundo plano, amigos só os que conviviam na vibe louca da vida profissional ensandecida de São Paulo.
Não posso culpar a Deus por meus passos trôpegos, mas o fato é que a vida me fez parar. Primeiro com a falência e quando recuperado tentava seguir pelo mesmo caminho, a vida afastou meu pé daquela calçada e insistiu assertiva.
Toda essa situação me trouxe ao que sou hoje. De um lado, acostumado à reclusão e ao isolamento pela situação da longa recuperação física que atravessei. Do outro, aceitei meu destino e escrevo essas mensagens lançadas ao mar em busca de leitores incertos, curiosos por ler o que um náufrago da vida tem a dizer.
Não sou contra fazer planos, mas aprendi a não fazê-los apenas a partir da minha vontade. Compreendi a necessidade de conhecer profundamente a mim mesmo e às condições presentes. Aprendi a definir objetivos mais consistentes com meus reais princípios e valores. Abandonei as futilidades e superficialidades e fui em busca da essência necessária à uma vida plena.
Mesmo assim aceito o fato de que muitas vezes a vida se impõe de outra forma e precisarei me adaptar, como faço novamente agora.
Essa “mensagem na garrafa” é destinada à todos os que hoje se perguntam os motivos dessa situação e percebem, mesmo que ainda por pouco, que poderão aprender algo com tudo isso.
Minha recomendação, se é que posso, é que mergulhe nessa oportunidade e saia diferente dessa clausura. Estude online, investigue suas emoções, aprenda sobre si mesmo, vasculhe sua alma em busca de seus princípios mais elementares, perceba o quanto a sua vida se distanciou do que você queria para ela quando era uma criança.
Minha amiga Lana Bella fala bem sobre isso: conhecer a sua criança e aceitá-la é parte obrigatória do esforço de autoconhecimento. Pode ser a parte mais prazerosa reencontrar a infância, mas pode ser uma dor terrível ver o quanto a sua criança pode estar furiosa com você pelo caminho que acabou seguindo.
Você é o que sonhava ser? Se pudesse conversar hoje com a sua criança de sete anos de idade ela gostaria do que você fez com a vida que era dela?
É tempo de nos reencontrarmos com a nossa criança. Ela nos chama.
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